Era como uma sala vazia, escura. Fria como o inverno estranho no Rio. A cabeça cheia de pensamentos desordenados, confusos. Queria chorar, sei lá. Rir, talvez. As mãos duras, articulações sem querer trabalhar... Fui procurar o que fazer. O armário precisava de organização. Lá fui, então, fazer o que não me parecia possível, em tais circunstâncias: organizar. Apareceram umas coisas que guardava numa caixa. Aquelas coisas que te dizem alguma coisa, sabe como é? Cartinhas, bilhetinhos, postais. Livretos de poemas de alunos do primário, entradas de cinema, de shows, concertos... Cada pedaço de papel e plástico e o que mais fosse significava um momento. Bom, muito bom, ruim, muito ruim. Momentos. Vi um envelope cinza quase sem espaço para mais nada. Cheio de fotografias de gente que eu talvez nem mais reconhecesse se visse pelas ruas. Sorrisos, abraços. Vi vestígios de alegre boemia: bolachas com propagandas de todas as cervejas. Lembrei dos rostos rosados, dos sorrisos e gargalhadas, das pernas trocadas. Vi um livro de poesias. Uma placa de banheiro feminino. Desenhos, brinquedos, corações, moedas. Vi a vida em momentos. Bons, muito bons, ruins, muito ruins. Momentos. Agora era como uma sala escura cheia de objetos fartos de sentimentos. Ali havia sonhos, utopias, amizades, bebedeiras. Dias de sol e noites de chuva que compunham parte da história que lia, como se fosse outra. Sabe a sensação que se tem quando se vai morrer? Um segundo de eternidade, vendo tudo como um filme em fast forward, numa seleção dos maiores momentos. Era isso. Parecia ter noventa anos em 20. Eu quis, ali, dormir. No chão gelado do quarto estávamos os pertences da caixa contadora de histórias e eu. Escuro. Frio. Deixei que meus olhos fechassem e que meu corpo caísse de encontro à parede amarela. Foi quando vi o meu irmão entrar correndo com um sorriso, dizendo:
"-Quer um sorvete?"
Inesperada e subitamente a escuridão passou, após aquele sorvete, naquele estranho dia de inverno no Rio.