24 de junho de 2007

Porque histórias de amor têm de ser clichê

Naquele dia, Gabriel acordou atrasado. Ele tinha 20 minutos para fazer tudo e estar no trabalho antes do seu chefe. Impossível. Já seria o terceiro atraso e ele estaria a um fio da demissão.
-"Porra! Preciso de um milagre."
Jogou o cobertor pro lado e preparou-se para bater o recorde mundial de velocidade nos 5 kilômetros com barreira, rumo ao seu destino. Foi quando notou não estar sozinho na sua cama de casal king size. Olhou bem, esfregou os olhos e voltou a olhar: uma ruiva linda de cabelos longos, branca como leite, pele macia e sedosa, dormindo como um anjo em meio aos travesseiros. Lembrou-se do nome dela: Alice. Junto com o nome, vieram as recordações do pedido de casamento que fez a ela ao pôr do sol de uma linda tarde em Búzios, da festa de noivado, da festa de casamento naquela fazenda em Taubaté, da abertura daquele exame de gravidez, do primeiro parto, do segundo parto, do terceiro parto. Olhou o relógio outra vez às 7:46... de uma manhã ensolarada de domingo. Não, ele não estava atrasado pro trabalho na sua empresa, mas estava pra pescaria com as crianças. Maria Luísa, a mais velha, entrou com tudo no quarto:
"Pai, seu irresponsável! Levanta, que os peixes não podem esperar por nós!".
Logo se podiam ouvir os gritinhos dos 2 menores, João e Mônica, que pularam feito gatos na cama, acordando a mamãe. Ah, aqueles olhos verdes... Alice era ainda mais linda quando se esticava toda na cama, pra espantar a preguiça. Gabriel a viu sorrir, e lembrou do motivo porquê se apaixonou por ela. Levantaram-se todos, correndo, voando. Os peixes não estariam ali para sempre. Arrumaram-se, pegaram chapéus, varas de pescar, um pote grande cheio de minhocas, cesta de piquenique. Alice caprichou nas comidas e nos lanches. Gabriel pôs tudo e todos no carro e lá foi a família, rumo ao lago dos peixes apressados. Havia uma enorme faixa de grama, onde estenderam uma toalha xadrez. Pegaram o barco, os homens da casa, enquanto as mocinhas medrosas ficavam observando. Pescaram, conversaram, comeram, brincaram e riram até que os corpos pedissem descanso. Puseram tudo de volta no carro ao entardecer e voltaram para casa, felizes da vida.
-"Crianças, pro banho!", falou com autoridade a primogênita.
Ela era um doce e cuidava como ninguém daqueles pequenos. O banho foi uma farra, enquanto os pais namoravam mais um pouco. Beijos de boa noite dados, foram todos às suas camas para dormir.
-"Agradeço a cada instante pelo dia em que te conheci. Contigo sou feliz como poucos podem ser", ouviu Gabriel daquela mulher encantadora. E teve lindos sonhos, por toda a noite.

Naquela manhã, Gabriel acordou com o despertador berrando em seu ouvido. Olhou para ele e viu que ainda podia dormir por mais 5 minutos. "Melhor não", pensou. Deu uma olhada em volta e jogou para o lado o cobertor, levantando num pulo da sua caminha de solteiro, rezando para que aquela chuva parasse, pois seu guarda-chuva já estava muito caído. Tomou seu café, tomou um banho e tomou o caminho pro trabalho. Foi de pé no ônibus lembrando dos detalhes do sonho bom que havia tido noite passada. Chegou no trabalho cedo, dando bom dia até pras plantas.
-"Já conhece a nova secretária, Gabriel?", perguntou Odete, a divertida faxineira.
Curioso, foi até a sala com passos acelerados. Deu de cara com uma linda ruiva de cabelos longos, branca como leite, pele macia e sedosa e um par de inesquecíveis olhos verdes. Em choque, estendeu a mão:
"Bom dia. Trabalho aqui, na mesa ao lado. Eu me chamo Gabriel."
E, com um sorriso do tamanho do mundo: "Prazer, Gabriel. Meu nome é Alice."

Um comentário:

Rodrigo disse...

Não sei se chega a ser um clichê, pois só me lembro de um filme americano com a mesma premissa -- acho que "Um Homem de Família", com Nicholas Cage --, mas, em todo caso, é um post muito bonito.

Ah, ruivas... Pena serem tão raras nestes trópicos mestiços.

De repente bateu uma inveja desse Gabriel... :-)

Um abraço,
R.